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segunda-feira, 21 de setembro de 2009

ESTÍMULO EM EXCESSO GERA CRIANÇA COM MALES DE ADULTO.


'Superpais' saturam filhos com atividades e causam distúrbios, como depressão e fadiga
Simone Iwasso


Cercadas de estímulos e equipadas com aparatos tecnológicos que dão acesso a todo tipo de informação, parte das crianças de hoje vive um novo tipo de infância. Nesse cenário, mais comum entre as classes média e alta, a obrigação é ter o melhor e ser o melhor - ótimos alunos, bons esportistas e com talentos artísticos em desenvolvimento.

O resultado: expectativas e cobranças altas que geram pressão, levando a criança a se parecer com ser adulto - ainda que seja um adulto infantilizado. Não à toa, esse grupo tende a apresentar, ainda na infância, distúrbios e sintomas típicos de homens e mulheres da vida moderna. Crescem os casos de depressão, autoagressão, distúrbios alimentares e fadiga crônica precoces.

Pesquisa da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) aponta que 5 milhões de crianças e adolescentes entre 6 e 17 anos no País (12,6%) têm sintomas de transtornos psiquiátricos. Para atender a essa demanda, há ambulatórios que oferecem assistência no tratamento de depressão para crianças a partir dos 3 anos. Também são comuns problemas relacionados ao stress, como dores de cabeça e estômago.

Esse quadro tem gerado um número crescente de crianças que tomam medicamentos para alterar sua conduta e seu estado de ânimo - em muitos casos, segundo pesquisas, sem necessidade. Cerca de 10% das crianças americanas tomam remédios e, no Brasil, a venda dessas substâncias mais do que quintuplicou nos últimos cinco anos.

"Vivemos uma época de superpais que querem criar superfilhos, mas o resultado é uma supercriança para sempre, que, ao mesmo tempo em que é carregada de atividades escolhidas pelos pais, não tem autonomia para amadurecer e fazer escolhas", resume a psicóloga Lidia Aratangy, da PUC-SP. "Viram filhos troféus para os pais".

Na avaliação da psicóloga, esse cenário está ligado à insegurança dos pais que, confusos e perdidos na sociedade atual, buscam preparar seus filhos para o mundo sobrecarregando-os de atividades e, como compensação, satisfazendo todos os seus desejos.

"Acredito que o maior fator para a cultura desses superpais é o medo. O medo de deixar o potencial das crianças para trás, de que com isso elas podem ser prejudicadas no futuro, que serão infelizes por uma negligência", afirma o historiador escocês Carl Honoré, autor de um livro sobre o tema (mais informações nesta página).

No caso da fonoaudióloga e pedagoga Claudia Cotes, mãe de duas crianças, os excessos cometidos com a primeira filha a fizeram repensar a educação do segundo. "Com a Carolina, eu aplicava tudo o que aprendia na faculdade. Estimulava de todos os jeitos, ficava em cima, aplicava exercícios de neurociência, matriculei na escolinha bilíngue. Se ginástica era importante, ela ia fazer ginástica. Se música é importante, ia aprender música", diz.

"Mas ela ficou tão estimulada que ficou uma criança chata. Perdeu o interesse, achava que não precisava fazer mais nada. Aí percebi o erro e amadureci como mãe", diz. Ela conta que, no segundo filho, fez tudo diferente. "Com o Vitor, deixei as coisas acontecerem no seu tempo, sem tanta pressão, sem tanta ansiedade. E vejo que ele é hoje uma criança mais tranquila e mais feliz."

BULA PARA EDUCAR
Mas a educação não depende só dos pais. Nesse processo entra também a escola que, com dificuldades para lidar com estudantes que saiam um pouco de um ideal imaginado, recorre ao vocabulário médico - os mais distraídos, desobedientes ou tímidos são logo diagnosticados com algum distúrbio, em um processo chamado de medicalização ou patologização do fracasso escolar.

"Para lidar com uma criança qualquer, não existe bula nem fórmula. Mas para lidar com uma uma criança com déficit de atenção existe uma bula. Vivemos um grande engodo", afirma a psicóloga e psicanalista Adriana Carrijo, pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "Vivemos na sociedade do hiperestímulo, sem foco, e o processo educacional demanda atenção."

Na prática, casos de pais e escolas que se apoiam nesses diagnósticos para proteger as crianças acabam sendo comuns. "O pai leva o atestado para a escola, que fica obrigada a dar atenção especial e prova diferente para essas crianças. Tem criança que cresce acreditando que sem remédio não pode fazer uma prova", diz.

"Hoje, as crianças ficam o dia todo ocupadas, em um entorpecimento", diz a psicopedagoga Irene Maluf, conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia. Segundo ela, essa rotina está longe de significar aprendizado. "A criança vira um produto e o que ela mais precisa, que é o tempo e a atenção dos pais, é o que ela menos tem. Quantos pais chegam em casa do trabalho e param para brincar com seus filhos?"

Texto retirado, na íntegra da edição de 20/09/2009 - Domingo do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO.

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